quarta-feira, 15 de junho de 2016

Um móvel, imóvel.

Acordei e decidi que eu tinha dormido bem, apesar da leve impressão de ter exagerado no álcool. E olha que eu nunca exagero no álcool. A festa devia ter sido mesmo boa, afinal. De qualquer forma eu só queria pegar as minhas coisas e ir embora. "Caraca, olha esse sol. Não acredito que já são quase dez". Eu tinha um monte de coisas pra fazer ainda. Já estava na porta quando notei que tinha esquecido meu livro. O título eu não lembro agora, esses detalhes sempre me fogem, mas quase certeza que era "o preço de ser diferente". Não me lembro em que parte da minha vida eu me tornei uma pessoa tão previsível assim. Bom, por qual razão eu havia levado um livro pra uma festa, nem me pergunte. Engraçado como fim de festa sempre tem uma dúzia de pessoas amontadas em poucos colchonetes dentro de um quarto minúsculo, não é? Festa de família, principalmente. Embora nada naquele lugar me fosse familiar, eu sabia que era uma festa entre família. Cuidado pra não acordar ninguém, Bernardo. Onde estava o maldito livro? Seria muito inconveniente acender a luz, então eu abri só uma brechinha da janela, pra clarear um pouquinho. Aí você se mexeu e só então eu vi que era você. Eu não sei aonde você tinha se enfiado a festa toda que eu só tinha te visto agora, mas definitivamente você estava aqui o tempo todo. E agora dividindo um colchete e dormindo abraçadinho com essa outra pessoa que eu nem conhecia mas que nunca, nem mesmo por um segundo, seria capaz de sentir sequer metade do que eu sentia por você. É claro que minha língua se agarrou ao céu da boca e eu paralisei. Era você. Ali. Abrindo os olhos de um jeito tão insuportavelmente apaixonante que eu quis te estrangular. Nossos olhos se encontraram e você me olhou com a naturalidade de quem olha pra um móvel parado no meio do caminho. Eu te odiei tanto.

- Quantas gerações existem entre as nossas famílias? - Você perguntou com voz de sono. É claro que essa pergunta não fazia o mínimo sentido. Você provavelmente queria saber o grau de parentesco entre nossos familiares em comum, já que essa não era uma festa aberta. 

-Nenhuma - Eu respondi - isso tudo é pura coincidência.

Olhei pra estante e meu livro estava lá. Coloquei ele debaixo do braço e antes de sair dei mais uma olhadela em você e nas costas do ser humano que descansava a cabeça no seu peito. Era absolutamente imoral essas coisas que a vida fazia comigo. E você, meu companheiro, bom, você podia ao menos ter tido a decência de me dar um sorriso e que bom te ver e como vai a faculdade e qualquer dia desses vamos tomar um café e finalmente comprou seu carro e todas as outras atualizações possíveis das nossas vidas. Mas  muito desavergonhadamente voltou a dormir. E tudo que me restava fazer era fechar educadamente a brechinha da janela que eu havia aberto assim como a brechinha que tinha se aberto no meu coração. 

Só que a porta eu só encostei.

segunda-feira, 30 de março de 2015

Você e o seu sorriso que aquece até um pastel de frango frio

A gente dormiu uma hora mais ou menos. Bem mais ou menos. Era Novembro e parecia que ia chover. Todo domingo eu e a garota que mora comigo tínhamos esse ritual alimentício de ir comer pastel na feira do Minhocão. Só estávamos esperando clarear o dia. Tinha sido uma noite ótima e você até confessou coisas que não tinha confessado pra mais ninguém. Eu e ela achamos o máximo. Quando deu o horário de descer eu parei de prestar atenção no som da sua respiração ao dormir, coloquei meu agasalho com a cara do Albert Einstein estampada e chamei o elevador. Ficamos com dó de te acordar, até porque você não dormiu, você embarcou numa viagem psíquica transcendental pra alguma outra dimensão. Na hora de trazer o seu, não sabíamos o sabor que você gostava, mas é claro que você tinha comido aquelas esfihas de frango ontem de modo que trouxemos o de frango. Queríamos que você acordasse pra comer ele quente, mas de novo nós concordamos que seria contra lei acordar uma pessoa em estado de sono tão profundo. Dormi ao seu lado. Você me chutou, me deu um mãozada na cara e até colocou sua perna sobre a minha. Não foi nada elegante da sua parte, mas eu me apaixonei. Só lembro de acordar e ver você na ponta dos pés, se arrumando pra ir trabalhar.

- Te acordei? - Você perguntou. Eu fiz que não com a cabeça.
- Você gosta de pastel de frango frio?
- Claro, eu como sempre. - E sorriu. Nesse momento eu pensei comigo mesmo "Caramba, que menino bonito". E também sorri.

Algumas coisas podem ser pequenas, alguma coisas podem parecer insignificantes, mas são essas coisas que fazem alguma diferença pra alguém como eu, que tem medo de mergulhar de cabeça em um mundo de pessoas rasas. Acho que você me conquistou. Já ouviu Elis? Tem uma canção dela que estou cantarolando desde esse dia. A letra diz que "no presente, a mente e o corpo são diferentes e o passado é uma roupa que não nos serve mais". Bem, o que me serve agora é só você e o seu sorriso que me aquece mais que o meu moletom de Albert Einstein.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Voltamos a apresentar: mágoas.

Aquele frio chato na minha barriga voltou. Especialmente pelas manhãs. Exatamente como acontecia há um ano atrás. Exatamente como aconteceu desde um dia após. Se cada vez que eu sentisse esse frio na barriga você sentisse uma coceira no pé, eu ficaria no mínimo satisfeito. Se me incomoda, tem que te incomodar também, ora essa. Nada justo essa coisa de um lado só sofrer, não acha? Tava bom demais essa história de ter parado de sonhar com você toda noite. Uma amiga me disse que nos sonhos, as almas das pessoas saem dos seus corpos e vão para outro plano, onde se encontram. Então, sempre que você sonha com uma pessoa, significa que a sua alma está em contato com ela nesse outro plano. Acho que ela tinha fumado maconha, mas isso é um detalhe. Me apeguei a essa teoria pra justificar um pouco ao meu coração que não sou apenas eu, o tapado carente que fica sonhando com o que já era. Não há dor, só há lembranças. Talvez - veja bem, sublinhe esse talvez ali - não haja nem saudade. Mas há ainda o gosto de canela. Há ainda o cheiro do seu perfume. Há ainda o eco da sua voz. O final do seu riso. Há a falta de paciência. Há os atrasos. Há tudo e nada ao mesmo tempo e há nossa música. Há uma enorme história não terminada, e sabe lá Deus se um dia será, não é? Mas a sociedade há de se manifestar que sim, há de marchar em plena Avenida Paulista com as caras pintadas a favor da retomada de ciclos abandonados. Porque uma coisa eu te digo, meu velho: eu é que não vou aguentar esse frio na barriga de novo por muito tempo.
Muito menos no meu coração.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Então lembra.

Gosto de ser livre, mas gostaria de ser seu. Somente seu, de ninguém mais. Evito ser tão óbvio, mas é óbvio que eu te amo. Espero nunca precisar de ninguém, mas eu até acho que eu preciso de você. E não preciso pouco não. Chove, não chove, chove. O tempo é tão inconstante quanto as minhas mágoas e a solidão é muito  angustiante quando eu penso em como as coisas poderiam ser... Tô cozinhando. Todo dia. Tô mudando os móveis de lugar e até no quarto da minha mãe eu quis mexer. Consegue ver? É isso que você faz. É muito ócio desperdiçando energia tentando melhorar coisas que já estão boas e que não precisam ser melhoradas, tudo porque eu não canalizo essa falta de você. Meu macarrão tá ficando cada vez melhor. Peguei uma receita de molho branco pra tentar amanhã. A família gosta. Eu só como. Ou não como. Eu estive bebendo durante todos esses finais de semana e uma vez na segunda-feira. Segunda-feira. Não sei onde isso vai parar, mas eu acho que já passou da hora de você lembrar que gosta de mim. 

segunda-feira, 26 de março de 2012

Tá ficando meio chato

Sabe, te ver todos os dias, ouvir sua voz todos os dias, sentir seu cheiro todos os dias. Não faz bem, não é certo, não é de Deus. O que eu vou fazer com a sensação pós-recaída? Hoje você estava lá, no ponto de ônibus, fumando seu cigarro - nem lembro mais que marca -  como sempre, perdido em seus pensamentos e em seu déficit de atenção tão característico. Me viu e fingiu que não. Eu te vi e desviei o olhar. Quando começou a chover eu entrei na padaria e comprei meus próprio maço de cigarros. Eu não fumo, mas quem liga? Não poderia ficar com as mãos vazias enquanto você estava ali na minha frente, me fuzilando panoramicamente e ao mesmo tempo absorto no auto-policiamento. Agora você estava debaixo de um guarda-chuva e sentado nas costas do banco. Resolvi dar um oi. Foi patético. Eu mal me aproximei de você, o peito doeu, a dor me congestionou e as lágrimas transbordaram mais rápido do que eu estava esperando. Eu, ainda muito pateticamente, te dei um aceno de mão ao longe, em troca recebi um meio-sorriso da sua parte e antes que você percebesse algo dei as costas e saí andando. Dane-se o ônibus, era melhor ir a pé e enxugar as lágrimas na mão. Nem sempre é esse avanço todo sabe? Dessa vez acho que é porque estávamos sozinhos. Da próxima, dependendo do lugar, vou tentar um abraço. Mas isso é tão incerto, não é? Porque não, eu nem ao menos sei onde vou te encontrar amanhã. Os meus sonhos nunca são repetidos.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Custo x Benefício

A verdade é que eu precisava de umas técnicas boas pra neutralizar meu amor por você do mesmo jeito que aqueles espiões secretos em Chuck neutralizam seus inimigos com um golpe só. O problema é que esse golpe não existe, pelo menos pra mim. Ou se existir significa sacrificar muito mais coisas das quais eu estou disposto a sacrificar no momento. Custo x benefício. Acho esse um preço caro demais e você não vale a pena, embora eu saiba que nada é caro quando satisfaz nossas necessidades. Uma vez um velho me disse "Bernardo, meu jovem, primeiro leve em conta os custos para só então pensar nos benefícios; se o custo for alto, nem pense nos benefícios. Nesse mundo existem outras situações em que até mesmo sendo de graça já é caro demais." Então pra te esquecer eu teria que  renunciar partes de mim mesmo pra alcançar essa assim-chamada "paz" e renunciar momentos onde eu me senti pleno e amado, mesmo que iludido. Não, na verdade nunca achei de fato que tenha sido ilusão. É lógico que é mais complicado que isso. Seria tão mais fácil ter um golpe. Antes de te acertar te beijaria e te diria aquela mesma frase que eu te disse no dia que tomamos banho de chuva com as roupas do casamento da sua prima. Aquela frase que eu guardo só pra mim. E então, e só então, te daria um golpe certeiro pra te neutralizar e provar que quem manda no meu coração sou eu.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Tira-gosto.

Na frigideira, bolinhos de chuva. Eu que fiz e agora tô fritando com cuidado, pra não deixar queimar. Parei um pouco de pensar na sujeira que eu fiz enquanto preparava a massa e em toda a bagunça na cozinha pra pensar um pouquinho em você. Pois é, lembrei de você. Eu lembro de você o tempo todo, seja fazendo bolinhos de chuva, seja cantando no chuveiro ou atendendo clientes mau humorados no escritório. Lembro de você quando vou ao supermercado e vejo aquela garrafa com líquido azul na sessão de bebidas. Ou quando peço batata-frita sem maionese. Quando eu vejo aquele seriado da Miley Cyrus que você, sabe lá Deus como, adorava e quando eu tô no shopping e passo por aquelas máquinas de brindes automáticos. Foram muitas moedas naquele dia. Acho que coloquei óleo demais nessa frigideira e os bolinhos de chuva estão ficando encharcados e muito muito muito gordurosos. Deu errado. Ou talvez o problema não seja o óleo, seja o tempo de fritura. Esse óleo aqui é a medida certa. Os bolinhas mergulham e fritam, nadando, nadando, nadando. Eu poderia fritar seu coração assim. Aham, eu poderia. Ele daria os últimos espasmos assim que eu o afogasse no óleo quente e o pressionasse com a escumadeira lá no fundo da panela. Depois ele daria cambalhotas no óleo enquanto eu cantava Fake Plastic Trees do Radiohead. And it wears me out, it wears me out, it wears me out...Não, eu não o comeria. Não gosto de carne vermelha, quanto mais do seu coração. Eu odeio seu coração. Eu o deixaria fritar até queimar (não só ficar engordurado e encharcado, até queimar). Nadando, nadando, nadando no óleo quente. Deu errado.

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